segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Tico duro

Aprendi a gostar do rádio com minha mãe, que adorava cantar e teve oportunidade de acompanhar várias rádio-novelas. Ficava encantado com as histórias que ela contava sobre esse fantástico e ágil veículo de comunicação. Uma das histórias mais pitorescas envolvendo radialistas teria ocorrido na minha terra natal, na fronteira gaúcha com o Uruguai. “No tempo do rádio a manivela”, como brincava mamãe.
Um narrador esportivo muito conhecido foi protagonista de uma situação hilária. Tarde de domingo, estádio lotado. Iriam se enfrentar os maiores rivais da cidade. O clássico Baguá (Bagé e Guarani), que movimenta multidões até hoje. Nos anos 50, então, quase toda a cidade ia ao estádio.
A esperança de gols do Guarani era o centroavante Tico, que andara jogando até no México. Um “cracaço” como dizia toda hora o narrador da única rádio da época. Minha mãe acompanhou o clássico pelo rádio e disse que o jogo foi tenso desde o início. Lá pelos 30 minutos, o Tico recebeu um passe e entrou com bola e tudo na rede adversária. A torcida explodiu de alegria, mas o árbitro anulou o gol.
- Mas o que que ele deu, Fulano? – perguntou o narrador ao repórter de campo.
- Impedimento, Beltrano. Ele anulou o gol porque o Tico estava na frente do zagueiro...
Nesse momento já se armara o maior bafafá. Sentindo-se prejudicado, o time do Guarani correra pra cima do juiz. O mais exaltado de todos era o Tico. O centroavante reclamou tão acintosamente que recebeu o cartão vermelho.
O narrador, excitado com a confusão, transmitia aos ouvintes os detalhes.
- Agora é que a coisa complicou... O juiz botou o Tico pra fora, mas o Tico endureceu e não quer sair... O juiz tenta, tenta, mas não consegue botar o Tico pra fora...
- Ele chamou a Polícia, Beltrano – informou o repórter.
E o radialista continuava descrevendo o que ocorria no campo, com a sua narração dúbia.
- É um drama, senhoras e senhores. O juiz agora chamou a Polícia Militar e mandou os policiais botarem o Tico pra fora...
Mamãe disse-me que não soube o resultado daquele clássico porque meu avô, ouvindo aquilo tudo, correu com ela pro quarto. Afinal, futebol, naquela época, era mesmo coisa pra homem. Pra quem tinha tico...

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