quarta-feira, 28 de julho de 2010

A psicologia da cinta

Ai, um tapinha não dói, um tapinha não dói, um tapinha não dói... Segundo o governo federal, ao contrário do famoso funk carioca, a partir de agora um tapinha dói sim. Não aquele entre quatro paredes, mas o utilizado normalmente para educar nossos filhos. Pra mim não muda nada. Total, nunca fui de bater nos meus três. Já ameacei, prometi, apavorei. Acho que deu certo. Aprendi com minha mãe, que usava a ‘bainha’ de uma velha adaga de meu pai como cinta para ameaçar eu e meu irmão caçula quando passávamos dos limites. Era a psicologia dela. – Vou pegar minha bainha – anunciava a mãe com o olho atravessado, e a minha teimosia já parava...
Tinha medo daquela bainha. Era de couro, preta, grande e doída. Deixava sua impressão quando pegava mais forte. Incentivava meu respeito pela mãe. Levei algumas bainhadas até descobrir uma saída perfeita para escapar daquela psicologia. Fazia cara de coitadinho, baixava a cabeça e “chorava”... Minha tia Ondina, hoje com 91 anos, dizia que eu não merecia apanhar porque era muito queridinho... Mamãe contestava minha tia e protetora. Para ela, eu era um tremendo artista porque tinha a “lágrima na ponta da pestana”. E ela tinha razão. Aprontei muito. Também pudera, fui caçula por dez anos. Até a chegada de meu irmão Claudio. O guri parecia ligado em 220! Ligeirinho, se tornou amigo daquela bainha.
Tanto eu como meu irmão merecemos todas bainhadas. E amamos muito nossa mãe. A psicologia dela funcionou. Aprendemos a ter limite, coisa rara hoje em dia.

sábado, 24 de julho de 2010

Freud não explica

     Nasci em Bagé, na fronteira gaúcha, terra do Analista, cria do escritor Luis Fernando Veríssimo, que aproveitou o jeitão de meus conterrâneos para imortalizar um psicanalista com métodos pouco convencionais. O Veríssimo inventou. Eu tenho uma sobrinha psicóloga. E de Bagé! Heleninha. Agora doutora Hellena, com dois éles... Será que ela acredita em Numerologia? A Helleninha deve ter uma boa explicação pra isso... 
     Li alguns livros e artigos sobre psicologia pra não ficar boiando quando conversasse com alguém sobre o assunto. Jornalista é assim mesmo: estuda um pouquinho de cada coisa pra não passar vergonha e poder dar palpite em quase tudo... Minha sobrinha psicóloga diz que sou in-su-por--vel porque acho que entendo mais das loucuras das pessoas que ela. - Bah, tche, tu não te remenda mais – escreveu outro dia com o seu gauchês.
     Pra encerrar: de psicólogo e louco todo mundo tem mesmo um pouco. Algum dia vão explicar nossas loucuras? Nem o Freud! Quer um exemplo? Depois de anos, descobri que minhas esquisitices têm nome: TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo. Minha mulher diz que eu pareço o Monk, aquele detetive maluco da tv que tem 312 manias diferentes. Eu tenho duas... Lavar as mãos toda hora faz até bem. Agora, ter que pisar sempre com o pé direito nas tijoletas pares e com o esquerdo nas ímpares é que complica mais. Principalmente quando não consigo! Acho que mais dia menos dia vou dar um pulinho em Bagé e consultar...

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Vencendo a timidez

1979. Atrás das cortinas do Cine Avenida assisto o povo chegar. Todos jovens falando alto. Alguns assoviam para chamar os amigos. Muitos carregam faixas. Meu nervosismo é justificável. De brincadeira, depois de beber umas cervejas, eu e o Renato Azevedo inscrevemos Natureza (uma música politicamente correta para os padrões da época) no Festival Estudantil da Canção de Bagé. E não é que estávamos na final?! Acho que os jurados acharam politicamente incorreto reprová-la e ir contra a platéia, que cantou o refrão desde a primeira vez que nos apresentamos. Claro que ajudei. Antes de subirmos ao palco, fiz questão de distribuir xerox com a letra de nossa melodia.
Alertávamos para a degradação da natureza e os efeitos maléficos que a ação descontrolada do homem traria num futuro breve. “A natureza chooora, respeite essa senhoora; temos que dar um jeiito, depredar não é direiito...” cantávamos emocionados com o coro dos estudantes presentes. Confesso que, hoje, apenas lembro vagamente do refrão e do temor que senti ao pisar naquele palco. Não recordo de quase nada. Ao final, nossa Natureza foi considerada a mais popular. Recebemos um brinde de uma papelaria da cidade e um trofeuzinho, mas valeu a pena. Além do reconhecimento popular, venci a timidez de meus 19 anos, subi num palco e cantei!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Frias lembranças

Chove e faz muito frio. A temperatura despencou. No sobrado em Caiobá, divido as cobertas com o Luck e o Nino, meus pequineses. No outro quarto, minha mulher assiste tevê só com o nariz de fora. Uma bolsa térmica ajuda aquecer seus pés De vez em quando liga o secador de cabelos embaixo dos cobertores. As pequinesas dela, Mel e Dara, deitadas ao seu lado. Tadinha. Sempre foi friorenta. Também nunca gostei do inverno. Lembro bem o que é enfrentar uma geada na fronteira gaúcha. E o temido vento minuano. Que faz os cachorros andarem encurvados. De renguear cusco, como dizemos por lá. Bate uma saudadezinha. Não do frio! Do minuano nunca vou esquecer pelo resto da vida graças a uma sinusite crônica que ganhei por andar de moto e enfrentar o mais gelado de todos os ventos.
As lembranças do inverno nos pampas que me invadem são outras. Gostosas, como o arroz carreteiro autêntico, feito na panela de ferro, com banha, charque e água quente. Que fica molhadinho e bem soltinho. Da roda de chimarrão todo santo dia. Pra esquentar as tripas... Sorrio ao recordar outra alternativa para combater o frio naquelas bandas: café com conhaque – dependendo do espírito, conhaque com café! No final dos anos 80 era assim que espantávamos o frio enquanto a capa do jornal do dia seguinte era definida. Servia também como inspiração para uns e outros repórteres concluírem suas matérias. E tinha ainda o monte de roupa que se usava. Era blusa em cima de blusa, moleton, blusão, jaqueta, touca, manta, luva. Sem esquecer o indispensável ceroulão por baixo das calças...
Volto para a realidade. O frio aqui no Paraná tá igualzinho aos piores que já enfrentei no Rio Grande. E o aquecimento global??!! Será que tem conhaque em casa?


terça-feira, 13 de julho de 2010

Trocando as buelas

Em 1986 mudei para uma cidadezinha na divisa com o Uruguai. Aos poucos fui notando que a proximidade da linha divisória propicia situações atípicas em todos os setores. Muita gente mora num país e trabalha ou estuda em outro. Fui contratado por uma rádio gerenciada por um uruguaio. O editor do jornal rival ao que fui Chefe de Redação também era do outro lado da fronteira. Observei ainda que todo brasileiro acha que entende o espanhol, ou castelhano como dizem por lá. Minha mulher, formada em Educação Física e com larga experiência em recreação, tambem achava que entendia. Estava eufórica com o novo emprego: uma escolinha infantil, que atendia crianças dos dois lados da fronteira.
Pouco antes do início da primeira aula, aparece uma senhora com um menino de uns quatro anos a tiracolo. Foi só ela sair pelo portão que a criança abriu o berreiro. E repetia sem parar: “yo quiero abuela, yo quiero abuela”. Querendo ajudar, minha mulher correu para o seu armário, apanhou uma bola de futebol e se dirigiu ao menino chorão.
– Pronto – disse carinhosamente. – Tá aqui a buela...
– No quiero, yo quiero abuela... – repetia o garotinho.
– Então pega a buela, vai... – insistiu ela, cheia de paciência.
– No quiero, no quiero... – dizia o coitado do castelhaninho, banhado em lágrimas.
– Não é essa a buela que você quer? Quer outra buela? De vôlei, basquete?
– No... Yo quiero abuela...
Nesse instante minha mulher, ja perdendo um pouco a calma, olhou para a diretora da escola como a pedir socorro. Foi quando notou que ela estava se contorcendo de tanto rir.
– O que foi? Não consigo entender que tipo de buela que ele quer... – justificou-se em seu portunhol sofrível.
A diretora respirou fundo e explicou a situação. O garotinho queria a sua avó. Em espanhol, avó é abuela. Já bola é pelota...



sábado, 10 de julho de 2010

Overdose

O bar estava lotado. Dei alguns dólares para o garçon e consegui uma mesa num canto. Pedi um Schweinsteiger com gelo e me pus a analisar o movimento. Uma morena veio entregar meu drinque balançando sensualmente a sua jabulani. No palco, o Maradona nu cantava `Não chores por mim Argentina` pela quinta vez quase aos berros. Em pé, com cara de poucos amigos, o Dunga segurava uma taça de Sneijder. Ao seu lado o inseparável Jorginho petiscava um Villa acebolado e cheio de pimenta.
Acendi um Eto’o e fiquei pensando na vida enquanto meus olhos percorriam o ambiente. Reparei ao fundo que o ex-goleiro do Flamengo fazia juras eternas para a paraguaia Larissa Riquelme enquanto saboreava um macarrão. Senti vontade de alertar a musa da Copa para não se envolver com o Bruno, mas deixei pra lá. Afinal, uma mulher experiente como a Larissa deve saber cuidar da sua vuvuzela... Voltei os olhos pro palco e quase não acreditei no que vi.
O Maradona havia sido retirado de lá na marra. Agora, Romário e Del Bosque, o sorridente técnico da Espanha, ensaiavam uns passos de funk ao som do DJ Mandela. A alegria tomou conta do local, o que fez com que a segurança, a cargo de Felipe Melo, ficasse alerta. Por um momento, pensei ter avistado o Ronaldo Fenômeno saindo com uns travestis, mas não tive certeza. Também tive que olhar duas vezes para acreditar que o Pelé subia ao palco com a Valeska Popozuda. Era tudo muito confuso...
Pedi outro Schweinsteiger e, encorajado, decidi conversar um pouco com o Miroslav Klose. Nem dei bola ao fato de não saber falar alemão. Pelo jeito, o Klose estava de porre. Ofereci um Ozil, comprimidinho que carregava no bolso para usar caso exagerasse na bebida, e ele aceitou. Em seguida vomitou e foi retirado aos pontapés pela segurança. Quase ninguém viu. Todos olhos estavam voltados para o palco. Cristiano Ronaldo havia se juntado ao funk e dançava a “éguinha pocotó” com a Lacraia!
Bebi de um gole todo meu Schweinsteiger achando tudo aquilo muito estranho e divertido. Queria participar mais ativamente da festa. “Minha vez”, pensei. Quando ensaiava minha subida triunfal ao palco, o som do funk foi sumindo e dando espaço ao irritante toque do meu celular. A tv ligada me fez cair na real. Estava para começar a semifinal da Copa do Mundo no Planeta Bola. E entendi o motivo de toda aquela loucura... 

quinta-feira, 8 de julho de 2010

De olho nas galinhas

- Vocês compram galinha no mercado? - perguntou meu sogro ao visitar-me pela primeira vez e bisbilhotar as compras que havíamos feito onde não faltaram três frangos congelados.
- Claro que sim. Por quê? - retruquei, já imaginando que ele estava pensando em matar alguma de minhas filhas de penas.
- Mas com tanta galinha gorda por aí... - argumentou
Desconversei. Disse que o que me importava eram os ovos etc e tal. Mas ele não se deu por vencido.
- Vocês gostam de jogar dinheiro fora...
Deixei pra lá. Afinal, não ia ficar mais rico ou pobre por comprar frango congelado.
- Minhas galinhas são só pra enfeite – brinquei, pra ver se ele entendia de vez.
E não menti. Criei muita galinha, mas nunca matei ou comi nenhuma delas...
A ideia surgiu quando decidi morar “longe dos problemas”. Estava num estresse daqueles. Trabalhava em quatro lugares ao mesmo tempo. Criar galinhas parecia natural, apesar de ser uma pessoa tipicamente de cidade. Até contratei um empregado para cuidar delas. Quem mais aproveitou foram meus cachorros, que se empanturraram de ovos uma vez ao descobrirem um ninho escondido ao redor de minha chácara em Sant’Ana do Livramento, na fronteira gaúcha com o Uruguai. Apesar dos comentários de meu sogro, todas minhas galinhas morreram mesmo de velhice...

domingo, 4 de julho de 2010

Já fui um rato

Minha estréia no rádio foi anônima. Andavam procurando alguém que imitasse o Topo Gigio - um ratinho que fazia muito sucesso na Rede Globo nos anos 70. Meu irmão Claudiran, na época com uns 20 e poucos anos, trabalhava na Rádio Cultura, em Pelotas, e lembrou que eu vivia imitando o Chico Anísio e outros que apareciam na tevê. A princípio relutei. Tinha só 12 anos e muita vergonha...
Tudo bem imitar todo mundo em casa, mas num estúdio? E na frente de gente que eu nunca tinha visto antes?! Pedi que me deixassem um gravador com um microfonezinho embutido que eu iria imitar em casa e entregava pra eles depois. Não toparam. Queriam o Topo Gigio lá na rádio. Tentei mais uma vez me safar, mas o olhar atravessado de meu irmão mais velho falou mais alto. Fui meio que empurrado...
O estúdio ficava num prédio histórico. Adorei aquela parafernália toda e a sua magia. Era para eu (o Topo Gigio) falar de uma promoção numa loja de artigos infantis. Fiquei nervoso, principalmente porque o diretor da rádio (e patrão do meu irmão) juntou-se ao bando que entupia o estúdio para me ouvir falando que nem o ratinho da moda.
Coloquei os fones de ouvidos e me ouvi imitando o bicho. Ficou igualzinho! Encorajado, gravei o texto de primeira, inclusive com entonações que considerei fundamentais para a propaganda dar certo e não decepcionar meu irmão. Fui elogiado por todos e convidado a gravar outros comerciais com minhas imitações. O comercial do Topo Gigio foi pro ar, eu não recebi o cachê prometido, mas saí ganhando. Troquei por um emprego na rádio...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O arsenal do tarado

A vinheta característica de notícia extraordinária chamou minha atenção. Aumentei o volume do rádio. O comunicador jovem chamava, ao vivo, o repórter policial. Pedi silêncio às minhas filhas que, já há algum tempo, discutiam sobre uns novos passos de Axé. Uma dizia que a saída era para a direita e a outra defendia o contrário. Estavam a ponto de brigarem.
- A Puliça civil prendeu agora há pouco um homem qui tentô atacá uma minina di oito anus – dizia a voz do repórter. – O tarado levou a menor prum matagal i quasi conseguiu concretizá o estrupo – complementou o afobado radialista falando direto da “cena do crime”.
Nesse momento, o locutor do estúdio tentou sutilmente dar uma remendada no vocabulário do repórti.
- Mas, fulano, qual é mesmo o nome do acusado de estupro?
- O estrupador – respondeu de pronto – é um vagabundo que atende pela alcunha de Tiozinho. E esse tal de Tiozinho já tem passagi pela Puliça por porte de tóchico...
- Muito bem – reassumiu o comunicador do estúdio com a clara intenção de acabar com aquele besteirol todo. – Estas foram as informações do nosso sempre atento repórter Fulano de Tal...
Mas o repórter não queria parar. Emocionado com o "elogio" voltou à carga:
- E issu não é nada! Na casa do estrupador a Puliça encontrou um verdadeiro arsenal de revista pornográfica e um revólvi calibrio 38...
Não agüentei e desliguei o rádio, sob o protesto de minhas filhas que, àquela altura, estavam adorando o palavreado do repórter.
- Ah, pai... Tava tão divertido... Melhor que o Axé...