domingo, 26 de dezembro de 2010

Presentes e lembranças

     Estudava no Grupo Escolar Joaquim Assunção (entra burro e sai ladrão, como dizíamos de sacanagem) e morava em Pelotas. Era 1969. Meu saudoso pai, preso político, estava em liberdade, mas havia sido dado como morto. Não existia oficialmente. E não conseguia emprego formal graças a uma lista negra distribuída pelo governo para evitar a contratação dos subversivos – nome dado aos comunistas naquela época. Eu era um guri de nove anos que sonhava em ser jogador de futebol. – Primeiro os estudos – alertava o pai, sempre lendo algo ou fazendo palavras cruzadas. – Ele é inteligente, vai conseguir – ajudava a mãe. Era chegado dela. O pai trabalhava de taxista toda madrugada. Dormi na cama da mãe até meu irmão nascer. Supria em parte a falta do pai.
     Lembro que a mãe se arrumava toda pra ir ao banco receber a pensão de viúva. Eu ia a tiracolo. Depois que pegava o dinheiro sempre me levava pra comer um lanche. Uma vez, grávida de meu irmão caçula, ao ser chamada pra receber a tal pensão, mostrou a barriga pro caixa do banco. – Aqui! A viúva do marido vivo – disse em voz alta. Era sua forma de protestar contra o regime. Com humor. O pai era inflexível. Tinha lá suas razões. Em 1980, com a anistia, ele teve direito a receber o equivalente a 16 anos de salários atrasados como sargento da PM, cargo que ocupava quando iniciou a Revolução de 64. Correu pro cartório e passou uma procuração pra mãe. – Não vou sujar minhas mãos com esse dinheiro de sangue – afirmou, convicto.
     Nossa primeira televisão foi comprada em 24 vezes. Pra ver a chegada do homem na lua. Assistimos desconfiados. A mãe morreu não acreditando. Para ela, os foguetes lançados pra lua serviram apenas pra alterar o clima no planeta. – Não tem mais inverno, verão, primavera e outono – reclamava. Minha primeira bicicleta também foi comprada a perder de vista. Era uma Monareta 1970. Lilás, banco com duas molas. Nunca imaginei que ganharia. Estava em casa quando ouvi o barulho de um carro. Olhei e vi uma Kombi com duas geladeiras e uma Monareta na carroceria. O entregador desceu a bicicleta e se dirigiu pro nosso portão. – Teu presente de Natal – gritou a mãe. Andei na Monareta madrugada adentro.
     Esse flash-back me ocorreu depois de comprar a primeira bicicleta pra minha neta de quatro anos. Uma Mormaii, rosa, com cestinha e capacete. Fiquei radiante como em 70. E agradeci por poder realizar o sonho dela bem mais cedo que o meu quando criança. Relembrar aqueles tempos é uma necessidade. Faz bem pra alma. Senti até o cheiro da torrada do Forno (a lanchonete que íamos depois da viúva do marido vivo pegar a pensão). Hoje,  reconheço o esforço de meus pais ao comprar aquela bicicleta. Mudou minha vida. Depois dela nada era tão longe. Agora, como vovô, minha tarefa é outra: ensinar a netinha a andar sem as rodinhas auxiliares. O sorriso no rosto dela compensa tudo. E consigo perceber o verdadeiro sentido do Natal. 
           

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

As botas do Papai Noel

Assumi a tarefa de bancar o Papai Noel.
– É só pra animar as crianças, pobrezinhas... – dizia minha mulher, referindo-se a nossas filhas, de dois e três anos, e a aproximadamente outros quinze meninos e meninas da redondeza.
– Você é o mais engraçado da família – acrescentava a sogra.
Voto vencido, e sem outro Papai Noel à vista, coloquei-me à disposição do cargo.
A roupa, confeccionada por minha cunhada, serviu certinho. Dava até pra colocar um travesseiro para aumentar a barriga. A máscara é que me martirizava. Dificultava a respiração e, o pior, os furos não encaixavam com meus olhos. Eu era um Papai Noel praticamente cego! Mas, vamos lá. O que não se faz pelas crianças...
Cheguei atrasado para a grande noite. Tive que me transformar em Papai Noel que nem o Clark Kent no Super Homem. Estava um calor dos diabos. Pra completar me entregaram um saco de brinquedos que parecia feito de chumbo. Estava todo vestido como o ‘bom velhinho’ quando minha cunhada olhou para meus pés e percebeu que eu vestia tênis.
– Cadê as botas? – interrogou, preocupada.
– E eu sei lá de botas... – resmunguei por trás da máscara, com uma voz cavernosa.
Ela disse que de tênis não daria pra ir, que as crianças iriam notar, etc e tal. Concordei. Afinal, apesar de dar a volta ao mundo entregando brinquedos, nenhum Papai Noel que se preze apareceria na casa de qualquer criança calçando tênis.
– E agora, o que a gente faz? – perguntei, olhando para o relógio dela.
– Calma! – gritou, mostrando seu desespero. – A gente dá um jeito...
Fiquei sozinho na garagem da casa de meu sogro enquanto a cunhada saía. Com certeza, a minha ansiedade era superior a das crianças que aguardavam pela chegada do Papai Noel.
Tirei a máscara. Estava com sede. Reparei pela fresta da porta que algumas crianças eram retiradas pelas mães do pátio da casa para que não tentassem entrar em meu esconderijo e estragassem a surpresa. Senti vontade de ir ao banheiro. Achei uma garrafa vazia e a transformei em mictório. Ri ao imaginar alguém entrando e flagrando o Papai Noel fazendo xixi numa garrafa de Coca Cola... Minha angústia aumentava.
A chegada da cunhada acalmou meus nervos. Trazia a solução para nossos problemas. Um velho coturno de meu sogro (militar aposentado) serviria de botas para o Papai Noel da garotada. Fiz o maior esforço para calçá-lo já que o coturno era bem menor que meu pé, mas não me entreguei. A alegria das crianças valia o esforço. – Vai assim mesmo! – disse, encorajado e vendo que faltavam menos de cinco minutos para a minha entrada triunfal.
À meia-noite em ponto as luzes se apagaram. “Minha deixa”, pensei. Abri a porta da garagem e me dirigi, quase sem enxergar nada, para a porta da casa que dava acesso à sala. Minha cunhada apareceu correndo e ainda me entregou um sino para que eu entrasse badalando aquele troço. – Agora sim – disse ela. – Está completo. Boa sorte. – E saiu rindo.
Os dez metros que separavam a garagem da sala da casa de meu sogro foram vencidos a muito custo. Meus dedos queriam saltar para fora daquele pequeno coturno. Quando dei as primeiras badaladas ouvi uma gritaria. – É o Papai Noel! Ele veio! – gritavam os adultos.
A porta estava encostada. Arrumei a máscara para pelo menos um olho enxergar alguma coisa, estufei o peito e entrei casa adentro. A princípio acho que não agradei muito. A gurizada parecia mais assustada que satisfeita com a visita tão esperada. Não dei bola e fui entrando, arrastando aquele imenso saco e batendo o pesado sino. Meu Papai Noel caminhava que nem o Batoré. Queria sentar, mas não achava uma poltrona vaga. Não me fiz de rogado e falei com uma voz mais grave que a habitual e, com certeza, assustadora:
- Papai Noel quer sentar, tá cansado, com sede...
Imediatamente fui colocado numa poltrona ao lado da árvore de Natal e brindado com um copo dágua.
– Papai Noel prefere uma cervejinha bem gelada...
Minha sogra entregou-me um copo de cerveja, não sem antes me atravessar os olhos. Não dei bola e comecei a entregar os brinquedos, todos escritos com o nome das crianças. Antes da entrega eu fazia questão de dar um puxão de orelhas em cada criança, a pedido das mães, o que as deixava satisfeitas. Em dado momento, reparei por um dos buracos da máscara e vi minha filha mais velha, então com três anos, à distância, olhando desconfiada para meus pés.
Quando chamei seu nome para entregar-lhe o primeiro presente ela veio quase que empurrada. Com aquela voz abafada disse-lhe que tinha que respeitar mais a sua mãe, que não podia maltratar a irmã menor, que devia dormir mais cedo, enfim. Coisas que havia combinado com minha mulher para a ocasião. Ela ouviu tudo sem dizer nada. Pegou o presente e, mal deu o primeiro passo, exclamou: - a bota dele é iguazinha u cutunu du vô...
Muitos presentes entregues e várias gargalhadas depois, minha sogra, vendo minha aflição – à essa hora eu já não enxergava mais nada e minha filha estava perguntando por mim – disse que eu (o Papai Noel) teria que ir pois ainda tinha que visitar outras casas, cujos meninos e meninas estavam ansiosos. Saí de fininho após o (proposital) apagar das luzes.
Reapareci alguns minutos depois, com a certeza do dever cumprido, de cara lavada, bermudas e pés descalços.




quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Psicopatas e conspirações

Notebook ao colo, viajo pela rede movido pela ansiedade. Leio jornais, palpito um pouco no Comuniquese, vejo emails. Não abro nenhum.  Vou pro Twitter. Os que sigo estão calados.  Igualmente nada tenho a dizer.  Ainda não descobri que mal me aflige. Falo com a De. Ligo pros três filhos. Todos bem.
A chuva não pára. Minha inquietude também. Saio com os cachorros, vou ao mercado. Bebo café e emendo uma coca-cola por cima. Entro invisível no msn. Três contatos on. Nada a ver. Releio o projeto de programa de rádio que fiz a pedido de um figurão. Estou sem espírito pra mudar alguma coisa... 

Desde cedo meu corpo alertava que algo estava diferente. Uma inexplicável sensação de perigo. Com direito a friozinho na barriga e tudo. Recordo as vezes em que senti isso. Estava perto de algo ruim. Pessoa ou situação. A autoproteção aflora. Ligo pruma fonte. E descubro. Estava certo!

Minha mãe dizia que tem gente que não come mas mete o dedo... E tinha razão. Ao longo da vida esbarramos com muitos desses. A sobrinha psicóloga explicaria mais a fundo. Tive a sorte de topar com alguns psicopatas e sair vivo. Nasci mesmo com o bumbum pra lua? Somente o tempo...
   

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

140 não é o limite

Opinar, fofocar y otros agora é twittar. Escreveu (tc) e ta . Feita a lambança. Rápido. Como quase tudo hj, até sentimentos. 140 é o limite.

Essa talvez fosse a primeira abordagem que faria no twitter – esse novo veículo de comunicação onde estou debutando – a respeito da correria em nosso mundo cada vez mais virtual. Complicado levantar o assunto e passar algum alerta em no máximo 140 caracteres. “Fiz nos tais 140 na intuição que sempre acompanhou meus dedos. Quase deu. Tive que apertar uma frase com a outra para caberem exatos 140...”
O limite de 140 letras e toques não deve ser visto como tal. Serve para limparmos nossos textos, já que obrigatoriamente nossas opiniões têm que ser escritas. Deixamos de lado adjetivos e substantivos. Podemos ser mais objetivos. E nem precisa usar tanta abreviatura assim. “Nossa! Tem gente que escreve e eu não entendo p... nenhuma. E outros tentam escrever muito rápido e engolem letra. Acho divertido...” 

Pode ser até preciosismo de minha parte utilizar os 140 toques no teclado que tenho direito no Twitter, mas vou utilizá-los sempre que achar necessário. São meus, de mais ninguém! “Tomara que ninguém clone meu twitter. Não vão! Só se forem loucos! Pra quê?! Mas esse mundo ta cheio de psicopata, lobo em pele de cordeiro.”  Não sei o porquê desses pensamentos... Lembrei! Nossa opinião `controlada`

O controle sobre o tamanho de nossas mensagens virtuais garante a rapidez. Evita também a poluição de nossas mentes. E demais a mais, ninguém agüentaria aqueles chatos de galocha metidos a poeta ou a revolucionários com papo de botequim. ”Na rádio a gente sempre diz que todo chato adora microfone... A internet não fica atrás. Todo chato tem sempre uma opinião formada, a respeito de tudo. Putz.”

Vou ficando por aqui. Pra leitura não ficar chata. Dizem que todo escritor deve reservar uma surpresa pro final. Também tenho a minha. “Não posso esquecer que, apesar da correria atual, nada substitui o contato pessoal; que redes sociais são conseqüência desse mundo corrido, mas reunião com amigos ou familiares têm sabor inigualável.” O mistério? Esse texto possui exatamente mesmo número de toques. Vai contar?     

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O vereador do século 21

O Sebastião era um desses caras que a gente não esquece nunca. Conheci-o em meados da década de 80, quando ele já acumulava três mandatos de vereador numa cidadezinha na fronteira do Rio Grande do Sul. Brizolista fanático e um dos baluartes do trabalhismo, gabava-se (com razão) de conhecer os meandros da política como poucos. Afinal, aprendera a fazer política antes do advento da televisão, de maneira improvisada, falando no ouvido das pessoas. Mas o que mais chamava atenção no Sebastião era seu linguajar. Conseguia dizer coisas inimagináveis nas situações mais inusitadas. E adorava velório. Chegava a procurar as capelas velatórias para se enfiar. – As pessoa nunca esquéci da gente nessas hora – explicava ele, recordista de votos para a Câmara Municipal por duas vezes consecutivas. Entre os vários “balões” dados pelo Tião, um ficou marcado para sempre – narrado com fidelidade por seu inseparável escudeiro e assessor Fioravante Spinelli.
Encerrada a sessão da Câmera (como dizia o Tião), ele e o Fioravante pegaram o velho Corcel quatro portas e saíram a dar voltas pela cidade. Depois de beberem algumas no bar do Zéco decidiram dar uma passadinha em frente ao Cemitério Público para ver se não estava acontecendo algum velório. Acertaram em cheio! O local estava repleto de carros e ônibus. “Velório de gente importante”, pensaram os dois. – Tá pra nóis, vamu lá – ordenou o vereador. Arrumaram um lugarzinho para estacionar o veículo e se enfiaram velório adentro.
Acostumado a esses momentos, o experiente edil já se deslocou em direção ao caixão, rodeado de homens e mulheres chorosos, enquanto o Fioravante se informava sobre quem era o defunto. Com semblante carregado e para fazer média com a família, o Tião foi lascando de primeira: - Coitado, teve uma morte tão prematura...
Mal disse a primeira frase e o assessor, sabendo que o morto tinha 93 anos, tentou logo remendar: - prematura, vereador?!
Pensando que havia errado na gramática, o Tião saiu-se com essa:
- Quer dizer, premátura...
Os freqüentadores do velório não contiveram o riso.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Narração inédita

Entrei no rádio aos 13 anos. E tive o privilégio de trabalhar com alguns pioneiros da radiodifusão de minha cidade. Um deles, o “Turco Musa”, foi o primeiro narrador de corridas de cavalo. Na época em que decidiu transmitir a corrida achavam que ele, além de desbocado, estava louco.
O “hipódromo” era longe da cidade, na verdade uma estrada rural. O povo se espalhava em sua extensão. O equipamento da rádio foi instalado numa arquibancada improvisada próximo da reta de chegada. O Musa no meio do povo, todo nervoso, balançando o corpo como faz até hoje. Dizem as más línguas que o Turco só transmitiu realmente a largada, porque de onde estava só enxergava a poeira que os cavalos levantavam. E ele foi enrolando, enrolando, dizendo que tal cavalo estava na frente seguido por outro, que a corrida estava muito equilibrada etc e tal. Confiava em sua posição privilegiada para narrar com fidelidade pelo menos a chegada.
Cavalos e cavaleiros fizeram a curva para entrar na reta final. E o Musa na arquibancada, com seu microfonão.
- E aí vem eles! Folíparo e Cirineta disputando corpo a corpo, cabeça a cabeça... Uma chegada emocionante. Tudo pode acontecer... – berrava o Turco no meio do povo que, àquela altura, também estava emocionado.
Faltando pouco mais de dez metros a corrida ainda estava indefinida. O Musa firmou bem a visão para ver bem quem ultrapassava a reta de chegada.
- Sensacional a primeira corrida de cavalos transmitida por uma rádio do interior gaúcho – repetia o Turco.
Estufou o peito para declarar o vencedor da carreira quando um rapazote levantou na arquibancada e prejudicou sua visão. Os ouvintes escutaram o Turco falar:
- Incrível! Folíparo e Cirineta cabeça a cabeça. Vamos ver quem chega em primeiro. Sai da frente guri filho da puta!!!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Mais ou menos

Sempre primei pela autenticidade. E já perdi muito por não usar meios-termos. Lembro que minha mãe dizia que Papai do céu não gostava das pessoas mornas. E segui a orientação da Dona Dote à risca. Creio até que exagerei, principalmente na vida profissional. Nunca gostei de fazer de conta que trabalhava, de aceitar governos medíocres, de me consolar com as coisas mais ou menos. Contudo, sempre soube que não era o único a não aceitar as coisas pela metade. A vida ensinou-me que pessoas de grande significância, alguns até considerados como meus ídolos, também compartilhavam dessa opinião.
Chico Xavier, o verdadeiro santo brasileiro, igualmente não se conformava com esses meios-termos. Certa feita, disse com suas sábias palavras, que "a gente pode morar numa casa mais ou menos; numa rua mais ou menos, numa cidade mais ou menos, e até ter um governo mais ou menos”. Mas o que me deixou mais feliz ainda foi saber que o grande médium espírita, assim como eu – um humilde escriba – não concebia que a gente amasse mais ou menos, sonhasse mais ou menos, fosse amigo mais ou menos, namorasse mais ou menos e, principalmente, acreditasse mais ou menos. – Senão – dizia Chico Xavier -, a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O recado do síndico

A velha canção diz que na vida a gente tem que entender que uns nascem pra sofrer enquanto outros riem. E que, para aguentar essa realidade, só mesmo tendo um sonho, azul da cor do mar. O senso de justiça, peculiar a todo jornalista, ainda existe, porém deve estar meio que adormecido. Sem saudosismos, de uns anos para cá foram raras as publicações independentes, que nasceram para tentar mudar as coisas. O capitalismo engoliu o sonho de muita gente. E muita gente boa virou chapa branca. Até o Lula, hoje, é chapa branca...
O inconformismo deu lugar à acomodação. Harold Robbins disse que os sonhos morrem primeiro. E o célebre escritor estava certo. Muita gente boa, parece, deixou de sonhar de uns tempos para cá. Assim como o Tim (o Maia, não o Lopes, que certamente morreu com a chama do inconformismo latente em sua alma). Tim Maia, o Síndico mais famoso do Brasil, há muito já entendera que o mundo é desigual. E pregou sonhos azuis para conviver com as desigualdades.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Entre breques e solavancos

Olhando o ônibus lotado, fiquei a imaginar como seria o início de um romance em tais condições.
- Desculpe – diz o rapaz timidamente depois de pisar no pé da jovem ao seu lado. – Não consegui evitar. O motorista freiou de repente...
- Tudo bem – responde a bela morena olhando para um homem suado e com o braço erguido. – Tem coisa pior que isso...
- Você pega sempre essa linha? – anima-se o jovem.
- Sempre essa hora. E você?
- Também.
Silêncio. O sobe e desce continua.
Pouco depois os dois se olham pelos vidros do coletivo, que atuam como espelhos. Disfarçadamente ele a vê puxar a campainha. Decide saltar também. Quando o ônibus pára ele já está numa das portas de saída, com o pé na rua. Dá uma última olhadinha. Não vê a garota junto à outra porta. Entende na hora que ela apenas acionou a campainha para ajudar alguém. Confere. Lá está ela, espremida entre dois marmanjos, segurando uma sacola.
Ela não o tinha perdido de vista. Já trocara três vezes de lugar para continuar olhando em sua direção. Quando puxou a campainha para aquela senhora com um bebê ao colo viu que ele se aprontou para descer também. Chegou a tremer. Achava que ele pararia mais adiante, mais perto da vila onde ela morava. Surpresa. Ele só ficou na porta, não desceu. Resolve dar mais uma olhadinha. Seus olhos se cruzam. Ela sorri. Ele retribui. Sente um friozinho no estômago.
- Com licença...
É o jovem novamente. Reconheceu a sua voz sem que precisasse olhar diretamente para ele. Reúne coragem não sabe de onde e o encara. Nota que ele também está nervoso.
- "Agora eu encosto" – decide-se o rapaz, imaginando mil maneiras de dizer alguma coisa sem que nada concreto lhe viesse à mente. Pensa em lhe passar o telefone da firma onde trabalha, mas desiste. Sabe que não tem tempo a perder. Faltam apenas três paradas para chegar em casa. Arrisca.
- Você não é a namorada do Júlio (primeiro nome que lhe vem à cabeça)?
- Não. Por quê?
- Parecida...
- Eu nem tenho namorado – emenda ela, convencida de que se não ajudasse, a conversa iria morrer novamente.
- Não tem mesmo? – alegra-se o já não tão tímido rapaz.
- Verdade...
O motorista freia novamente. E os dois agradecem mentalmente por ficarem mais juntinhos...



sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Menage caboclo

Resolvi dar um tempo e viver em contato com a natureza. Eu, minha mulher e as filhas escolhemos para morar uma chácara, distante oito quilômetros da cidade. O lugar era lindo, cheio de árvores frutíferas e tinha até um pequeno lago. Um sonho. O verdadeiro repouso de um guerreiro que trabalhava arduamente em três empregos distintos.
- É um desperdício a gente morar num lugar tão amplo e não criar nem um bicho. Quem sabe mais algumas galinhas? – disse, olhando para os quatro hectares à minha disposição, ocupados apenas por dois galos e três galinhas já velhas.
- Não quer também uma vaquinha pra gente tirar leite de manhã bem cedo? – ironizou minha mulher. - Não inventa que depois sobra é pra nós – reclamou junto com as duas gurias.
- Mas será possível que vocês não entendem...
- O senhor é que não pensa no que fala. Trabalha fora o dia todo... – argumentou a filha mais velha.
- Gente, o que é isso? Estou estranhando vocês... Só achei uma pena a gente morar num lugar tão amplo e não aproveitar...
- Já não bastam os oito cachorros que a gente tem? – perguntou a filha menor.
- Mas umas galinhas, pra gente ter ovos caseiros, não teria por que não criar... – aleguei.
- Desde que os cachorros não comam todas...
Tudo certo. Combinamos que eu iria tratar de comprar as tais galinhas. Na verdade o que eu queria mesmo era dar uma força para os dois galos que já estavam na chácara e se dividiam com as três galinhas caipiras. “Pobres bichos, dizem que cada galo dá conta de dez galinhas. Imaginem esses dois infelizes. Por isso é que andam cabisbaixos...”, pensei, com a velha cumplicidade machista.
No primeiro domingo na nova chácara espalhei pela redondeza que queria comprar umas galinhas botadeiras. Na hora me indicaram o seu Raul, criador de galinhas chamadas de ‘peito duplo’. Vendeu-me trinta galinhazinhas e garantiu que em 45 dias elas já estariam prontas para serem abatidas. Concordei, mas nem dei bola. Afinal o que eu queria mesmo era deixar os dois galos numa boa...
Num curto espaço de tempo as galinhas cresceram. E a vida de meus velhos galos mudou radicalmente. Andavam de peito estufado, cantavam por qualquer coisa. À sua maneira eles dividiram as galinhas, mas não dispensaram as “esposas” mais velhas. Fiquei satisfeito como um pai que consegue comprar aquele presente tão desejado por um filho...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Tico duro

Aprendi a gostar do rádio com minha mãe, que adorava cantar e teve oportunidade de acompanhar várias rádio-novelas. Ficava encantado com as histórias que ela contava sobre esse fantástico e ágil veículo de comunicação. Uma das histórias mais pitorescas envolvendo radialistas teria ocorrido na minha terra natal, na fronteira gaúcha com o Uruguai. “No tempo do rádio a manivela”, como brincava mamãe.
Um narrador esportivo muito conhecido foi protagonista de uma situação hilária. Tarde de domingo, estádio lotado. Iriam se enfrentar os maiores rivais da cidade. O clássico Baguá (Bagé e Guarani), que movimenta multidões até hoje. Nos anos 50, então, quase toda a cidade ia ao estádio.
A esperança de gols do Guarani era o centroavante Tico, que andara jogando até no México. Um “cracaço” como dizia toda hora o narrador da única rádio da época. Minha mãe acompanhou o clássico pelo rádio e disse que o jogo foi tenso desde o início. Lá pelos 30 minutos, o Tico recebeu um passe e entrou com bola e tudo na rede adversária. A torcida explodiu de alegria, mas o árbitro anulou o gol.
- Mas o que que ele deu, Fulano? – perguntou o narrador ao repórter de campo.
- Impedimento, Beltrano. Ele anulou o gol porque o Tico estava na frente do zagueiro...
Nesse momento já se armara o maior bafafá. Sentindo-se prejudicado, o time do Guarani correra pra cima do juiz. O mais exaltado de todos era o Tico. O centroavante reclamou tão acintosamente que recebeu o cartão vermelho.
O narrador, excitado com a confusão, transmitia aos ouvintes os detalhes.
- Agora é que a coisa complicou... O juiz botou o Tico pra fora, mas o Tico endureceu e não quer sair... O juiz tenta, tenta, mas não consegue botar o Tico pra fora...
- Ele chamou a Polícia, Beltrano – informou o repórter.
E o radialista continuava descrevendo o que ocorria no campo, com a sua narração dúbia.
- É um drama, senhoras e senhores. O juiz agora chamou a Polícia Militar e mandou os policiais botarem o Tico pra fora...
Mamãe disse-me que não soube o resultado daquele clássico porque meu avô, ouvindo aquilo tudo, correu com ela pro quarto. Afinal, futebol, naquela época, era mesmo coisa pra homem. Pra quem tinha tico...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O fio de cabelo

O relacionamento ia bem até a descoberta daquele fio de cabelo.
- E esse fio aqui? – interroga a mulher.
- Fio? Que fio?
- Este aqui, ó! – berra ela, com o fio longo e loiro entre o indicador e o polegar.
- E eu que vou saber. Sei lá de fio... – retruca ele, impaciente.
- Pelo menos da dona do fio você deve lembrar... – alfineta a esposa.
- Mas que dona, que fio. Pára com isso, mulher!
Pronto. Armou-se a maior confusão. E o pior é que ele nem sonhava quem seria a dona daquele (maldito) fio de cabelo. “Bem que ela poderia existir, já que estou me incomodando tanto”, pensou, cabisbaixo.
- Isso tá me cheirando a sacanagem. E das grandes – voltou ela a insistir.
- Mas que bobagem! Você sabe que eu nem gosto de loiras...
- Não gosta, é? E a Silvana?
- Quem?!
- Você ouviu muito bem. Silvana, Silvana – repetiu a esposa, num pé só.
- Não acredito que você ainda lembra da Silvana. A gente ainda era namorado...
- Não tenta me enrolar que até hoje eu não engoli aquela história!
- Mas faz mais de vinte anos...
- Pra mim é como se tivesse sido ontem. Não esqueço e nunca vou esquecer...
O marido sentiu que era melhor calar. Não sabia nada daquele fio de cabelo, nem tivera nada com a Silvana. “Bem que eu tentei, mas ela...”.
Os pensamentos foram interrompidos pela voz da mulher que, teimosamente, insistia em saber a procedência do tal fio loiro, agora já grudado no espelho com esparadrapo para não se perder, como se fosse a prova do crime.
- Dessa vez você não escapa! Te peguei com a boca na botija... – dizia ela em voz alta.
- Mas que inferno! Já te disse que não sei nada desse fio de cabelo. Talvez seja de uma das meninas...
- Você bem sabe que suas filhas são morenas!
- Não sei mais o que dizer, mulher!
- Então fica quieto. Quem cala consente...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Linha direta

- Alô, é do Presídio?
- É...
- Eu quero falar com o Beira-Mar...
- Quem qué falá cum ele?
- É o Marcelo Resende...
- Da Globo?
- Ai, ai... Não, meu amigo. Do Repórter Cidadão...
- O Beira-Mar ta notra ligação...
- Será que ele vai demorar?
- Sei não... Acho que vai. Ele ta falando em espanhol...
- Ligação internacional, hein? Era só o que me faltava... Diz pra ele que nós estamos ao vivo...
- Eu não sô loco di interrompê u hômi... O senhor não qué falá cum otra pessoa enquanto isso? Serve o maníaco do parque?
- Ele está por aí?
- Não, mas ele tem celular lá no isolamento...
- Obrigado, seu guarda. Eu ligo depois...
- Seu Marcelo, posso perguntá mais uma coisa?
- Claro, seu guarda. Fique à vontade...
- Tudo que a gente conversando as pessoa tão ouvindo?
- Lógico. Eu já disse que nós estamos ao vivo...
- Posso mandá um alô?
- Pode, vai lá. Fazer o quê?...
- Eu queria pedí pra não ligarem mais aqui pra portaria pedindo pra chamá o Beira-Mar. Você sabe, né? Às vez fica chato...
- Entendo... Você tem medo de perder o seu emprego...
- Não. É que às vez o hômi ta ocupado e pode ficá brabo di sê interrompidu...
- Vamos aos nossos comerciais, por favor...

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A psicologia da cinta

Ai, um tapinha não dói, um tapinha não dói, um tapinha não dói... Segundo o governo federal, ao contrário do famoso funk carioca, a partir de agora um tapinha dói sim. Não aquele entre quatro paredes, mas o utilizado normalmente para educar nossos filhos. Pra mim não muda nada. Total, nunca fui de bater nos meus três. Já ameacei, prometi, apavorei. Acho que deu certo. Aprendi com minha mãe, que usava a ‘bainha’ de uma velha adaga de meu pai como cinta para ameaçar eu e meu irmão caçula quando passávamos dos limites. Era a psicologia dela. – Vou pegar minha bainha – anunciava a mãe com o olho atravessado, e a minha teimosia já parava...
Tinha medo daquela bainha. Era de couro, preta, grande e doída. Deixava sua impressão quando pegava mais forte. Incentivava meu respeito pela mãe. Levei algumas bainhadas até descobrir uma saída perfeita para escapar daquela psicologia. Fazia cara de coitadinho, baixava a cabeça e “chorava”... Minha tia Ondina, hoje com 91 anos, dizia que eu não merecia apanhar porque era muito queridinho... Mamãe contestava minha tia e protetora. Para ela, eu era um tremendo artista porque tinha a “lágrima na ponta da pestana”. E ela tinha razão. Aprontei muito. Também pudera, fui caçula por dez anos. Até a chegada de meu irmão Claudio. O guri parecia ligado em 220! Ligeirinho, se tornou amigo daquela bainha.
Tanto eu como meu irmão merecemos todas bainhadas. E amamos muito nossa mãe. A psicologia dela funcionou. Aprendemos a ter limite, coisa rara hoje em dia.

sábado, 24 de julho de 2010

Freud não explica

     Nasci em Bagé, na fronteira gaúcha, terra do Analista, cria do escritor Luis Fernando Veríssimo, que aproveitou o jeitão de meus conterrâneos para imortalizar um psicanalista com métodos pouco convencionais. O Veríssimo inventou. Eu tenho uma sobrinha psicóloga. E de Bagé! Heleninha. Agora doutora Hellena, com dois éles... Será que ela acredita em Numerologia? A Helleninha deve ter uma boa explicação pra isso... 
     Li alguns livros e artigos sobre psicologia pra não ficar boiando quando conversasse com alguém sobre o assunto. Jornalista é assim mesmo: estuda um pouquinho de cada coisa pra não passar vergonha e poder dar palpite em quase tudo... Minha sobrinha psicóloga diz que sou in-su-por--vel porque acho que entendo mais das loucuras das pessoas que ela. - Bah, tche, tu não te remenda mais – escreveu outro dia com o seu gauchês.
     Pra encerrar: de psicólogo e louco todo mundo tem mesmo um pouco. Algum dia vão explicar nossas loucuras? Nem o Freud! Quer um exemplo? Depois de anos, descobri que minhas esquisitices têm nome: TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo. Minha mulher diz que eu pareço o Monk, aquele detetive maluco da tv que tem 312 manias diferentes. Eu tenho duas... Lavar as mãos toda hora faz até bem. Agora, ter que pisar sempre com o pé direito nas tijoletas pares e com o esquerdo nas ímpares é que complica mais. Principalmente quando não consigo! Acho que mais dia menos dia vou dar um pulinho em Bagé e consultar...

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Vencendo a timidez

1979. Atrás das cortinas do Cine Avenida assisto o povo chegar. Todos jovens falando alto. Alguns assoviam para chamar os amigos. Muitos carregam faixas. Meu nervosismo é justificável. De brincadeira, depois de beber umas cervejas, eu e o Renato Azevedo inscrevemos Natureza (uma música politicamente correta para os padrões da época) no Festival Estudantil da Canção de Bagé. E não é que estávamos na final?! Acho que os jurados acharam politicamente incorreto reprová-la e ir contra a platéia, que cantou o refrão desde a primeira vez que nos apresentamos. Claro que ajudei. Antes de subirmos ao palco, fiz questão de distribuir xerox com a letra de nossa melodia.
Alertávamos para a degradação da natureza e os efeitos maléficos que a ação descontrolada do homem traria num futuro breve. “A natureza chooora, respeite essa senhoora; temos que dar um jeiito, depredar não é direiito...” cantávamos emocionados com o coro dos estudantes presentes. Confesso que, hoje, apenas lembro vagamente do refrão e do temor que senti ao pisar naquele palco. Não recordo de quase nada. Ao final, nossa Natureza foi considerada a mais popular. Recebemos um brinde de uma papelaria da cidade e um trofeuzinho, mas valeu a pena. Além do reconhecimento popular, venci a timidez de meus 19 anos, subi num palco e cantei!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Frias lembranças

Chove e faz muito frio. A temperatura despencou. No sobrado em Caiobá, divido as cobertas com o Luck e o Nino, meus pequineses. No outro quarto, minha mulher assiste tevê só com o nariz de fora. Uma bolsa térmica ajuda aquecer seus pés De vez em quando liga o secador de cabelos embaixo dos cobertores. As pequinesas dela, Mel e Dara, deitadas ao seu lado. Tadinha. Sempre foi friorenta. Também nunca gostei do inverno. Lembro bem o que é enfrentar uma geada na fronteira gaúcha. E o temido vento minuano. Que faz os cachorros andarem encurvados. De renguear cusco, como dizemos por lá. Bate uma saudadezinha. Não do frio! Do minuano nunca vou esquecer pelo resto da vida graças a uma sinusite crônica que ganhei por andar de moto e enfrentar o mais gelado de todos os ventos.
As lembranças do inverno nos pampas que me invadem são outras. Gostosas, como o arroz carreteiro autêntico, feito na panela de ferro, com banha, charque e água quente. Que fica molhadinho e bem soltinho. Da roda de chimarrão todo santo dia. Pra esquentar as tripas... Sorrio ao recordar outra alternativa para combater o frio naquelas bandas: café com conhaque – dependendo do espírito, conhaque com café! No final dos anos 80 era assim que espantávamos o frio enquanto a capa do jornal do dia seguinte era definida. Servia também como inspiração para uns e outros repórteres concluírem suas matérias. E tinha ainda o monte de roupa que se usava. Era blusa em cima de blusa, moleton, blusão, jaqueta, touca, manta, luva. Sem esquecer o indispensável ceroulão por baixo das calças...
Volto para a realidade. O frio aqui no Paraná tá igualzinho aos piores que já enfrentei no Rio Grande. E o aquecimento global??!! Será que tem conhaque em casa?


terça-feira, 13 de julho de 2010

Trocando as buelas

Em 1986 mudei para uma cidadezinha na divisa com o Uruguai. Aos poucos fui notando que a proximidade da linha divisória propicia situações atípicas em todos os setores. Muita gente mora num país e trabalha ou estuda em outro. Fui contratado por uma rádio gerenciada por um uruguaio. O editor do jornal rival ao que fui Chefe de Redação também era do outro lado da fronteira. Observei ainda que todo brasileiro acha que entende o espanhol, ou castelhano como dizem por lá. Minha mulher, formada em Educação Física e com larga experiência em recreação, tambem achava que entendia. Estava eufórica com o novo emprego: uma escolinha infantil, que atendia crianças dos dois lados da fronteira.
Pouco antes do início da primeira aula, aparece uma senhora com um menino de uns quatro anos a tiracolo. Foi só ela sair pelo portão que a criança abriu o berreiro. E repetia sem parar: “yo quiero abuela, yo quiero abuela”. Querendo ajudar, minha mulher correu para o seu armário, apanhou uma bola de futebol e se dirigiu ao menino chorão.
– Pronto – disse carinhosamente. – Tá aqui a buela...
– No quiero, yo quiero abuela... – repetia o garotinho.
– Então pega a buela, vai... – insistiu ela, cheia de paciência.
– No quiero, no quiero... – dizia o coitado do castelhaninho, banhado em lágrimas.
– Não é essa a buela que você quer? Quer outra buela? De vôlei, basquete?
– No... Yo quiero abuela...
Nesse instante minha mulher, ja perdendo um pouco a calma, olhou para a diretora da escola como a pedir socorro. Foi quando notou que ela estava se contorcendo de tanto rir.
– O que foi? Não consigo entender que tipo de buela que ele quer... – justificou-se em seu portunhol sofrível.
A diretora respirou fundo e explicou a situação. O garotinho queria a sua avó. Em espanhol, avó é abuela. Já bola é pelota...



sábado, 10 de julho de 2010

Overdose

O bar estava lotado. Dei alguns dólares para o garçon e consegui uma mesa num canto. Pedi um Schweinsteiger com gelo e me pus a analisar o movimento. Uma morena veio entregar meu drinque balançando sensualmente a sua jabulani. No palco, o Maradona nu cantava `Não chores por mim Argentina` pela quinta vez quase aos berros. Em pé, com cara de poucos amigos, o Dunga segurava uma taça de Sneijder. Ao seu lado o inseparável Jorginho petiscava um Villa acebolado e cheio de pimenta.
Acendi um Eto’o e fiquei pensando na vida enquanto meus olhos percorriam o ambiente. Reparei ao fundo que o ex-goleiro do Flamengo fazia juras eternas para a paraguaia Larissa Riquelme enquanto saboreava um macarrão. Senti vontade de alertar a musa da Copa para não se envolver com o Bruno, mas deixei pra lá. Afinal, uma mulher experiente como a Larissa deve saber cuidar da sua vuvuzela... Voltei os olhos pro palco e quase não acreditei no que vi.
O Maradona havia sido retirado de lá na marra. Agora, Romário e Del Bosque, o sorridente técnico da Espanha, ensaiavam uns passos de funk ao som do DJ Mandela. A alegria tomou conta do local, o que fez com que a segurança, a cargo de Felipe Melo, ficasse alerta. Por um momento, pensei ter avistado o Ronaldo Fenômeno saindo com uns travestis, mas não tive certeza. Também tive que olhar duas vezes para acreditar que o Pelé subia ao palco com a Valeska Popozuda. Era tudo muito confuso...
Pedi outro Schweinsteiger e, encorajado, decidi conversar um pouco com o Miroslav Klose. Nem dei bola ao fato de não saber falar alemão. Pelo jeito, o Klose estava de porre. Ofereci um Ozil, comprimidinho que carregava no bolso para usar caso exagerasse na bebida, e ele aceitou. Em seguida vomitou e foi retirado aos pontapés pela segurança. Quase ninguém viu. Todos olhos estavam voltados para o palco. Cristiano Ronaldo havia se juntado ao funk e dançava a “éguinha pocotó” com a Lacraia!
Bebi de um gole todo meu Schweinsteiger achando tudo aquilo muito estranho e divertido. Queria participar mais ativamente da festa. “Minha vez”, pensei. Quando ensaiava minha subida triunfal ao palco, o som do funk foi sumindo e dando espaço ao irritante toque do meu celular. A tv ligada me fez cair na real. Estava para começar a semifinal da Copa do Mundo no Planeta Bola. E entendi o motivo de toda aquela loucura... 

quinta-feira, 8 de julho de 2010

De olho nas galinhas

- Vocês compram galinha no mercado? - perguntou meu sogro ao visitar-me pela primeira vez e bisbilhotar as compras que havíamos feito onde não faltaram três frangos congelados.
- Claro que sim. Por quê? - retruquei, já imaginando que ele estava pensando em matar alguma de minhas filhas de penas.
- Mas com tanta galinha gorda por aí... - argumentou
Desconversei. Disse que o que me importava eram os ovos etc e tal. Mas ele não se deu por vencido.
- Vocês gostam de jogar dinheiro fora...
Deixei pra lá. Afinal, não ia ficar mais rico ou pobre por comprar frango congelado.
- Minhas galinhas são só pra enfeite – brinquei, pra ver se ele entendia de vez.
E não menti. Criei muita galinha, mas nunca matei ou comi nenhuma delas...
A ideia surgiu quando decidi morar “longe dos problemas”. Estava num estresse daqueles. Trabalhava em quatro lugares ao mesmo tempo. Criar galinhas parecia natural, apesar de ser uma pessoa tipicamente de cidade. Até contratei um empregado para cuidar delas. Quem mais aproveitou foram meus cachorros, que se empanturraram de ovos uma vez ao descobrirem um ninho escondido ao redor de minha chácara em Sant’Ana do Livramento, na fronteira gaúcha com o Uruguai. Apesar dos comentários de meu sogro, todas minhas galinhas morreram mesmo de velhice...

domingo, 4 de julho de 2010

Já fui um rato

Minha estréia no rádio foi anônima. Andavam procurando alguém que imitasse o Topo Gigio - um ratinho que fazia muito sucesso na Rede Globo nos anos 70. Meu irmão Claudiran, na época com uns 20 e poucos anos, trabalhava na Rádio Cultura, em Pelotas, e lembrou que eu vivia imitando o Chico Anísio e outros que apareciam na tevê. A princípio relutei. Tinha só 12 anos e muita vergonha...
Tudo bem imitar todo mundo em casa, mas num estúdio? E na frente de gente que eu nunca tinha visto antes?! Pedi que me deixassem um gravador com um microfonezinho embutido que eu iria imitar em casa e entregava pra eles depois. Não toparam. Queriam o Topo Gigio lá na rádio. Tentei mais uma vez me safar, mas o olhar atravessado de meu irmão mais velho falou mais alto. Fui meio que empurrado...
O estúdio ficava num prédio histórico. Adorei aquela parafernália toda e a sua magia. Era para eu (o Topo Gigio) falar de uma promoção numa loja de artigos infantis. Fiquei nervoso, principalmente porque o diretor da rádio (e patrão do meu irmão) juntou-se ao bando que entupia o estúdio para me ouvir falando que nem o ratinho da moda.
Coloquei os fones de ouvidos e me ouvi imitando o bicho. Ficou igualzinho! Encorajado, gravei o texto de primeira, inclusive com entonações que considerei fundamentais para a propaganda dar certo e não decepcionar meu irmão. Fui elogiado por todos e convidado a gravar outros comerciais com minhas imitações. O comercial do Topo Gigio foi pro ar, eu não recebi o cachê prometido, mas saí ganhando. Troquei por um emprego na rádio...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O arsenal do tarado

A vinheta característica de notícia extraordinária chamou minha atenção. Aumentei o volume do rádio. O comunicador jovem chamava, ao vivo, o repórter policial. Pedi silêncio às minhas filhas que, já há algum tempo, discutiam sobre uns novos passos de Axé. Uma dizia que a saída era para a direita e a outra defendia o contrário. Estavam a ponto de brigarem.
- A Puliça civil prendeu agora há pouco um homem qui tentô atacá uma minina di oito anus – dizia a voz do repórter. – O tarado levou a menor prum matagal i quasi conseguiu concretizá o estrupo – complementou o afobado radialista falando direto da “cena do crime”.
Nesse momento, o locutor do estúdio tentou sutilmente dar uma remendada no vocabulário do repórti.
- Mas, fulano, qual é mesmo o nome do acusado de estupro?
- O estrupador – respondeu de pronto – é um vagabundo que atende pela alcunha de Tiozinho. E esse tal de Tiozinho já tem passagi pela Puliça por porte de tóchico...
- Muito bem – reassumiu o comunicador do estúdio com a clara intenção de acabar com aquele besteirol todo. – Estas foram as informações do nosso sempre atento repórter Fulano de Tal...
Mas o repórter não queria parar. Emocionado com o "elogio" voltou à carga:
- E issu não é nada! Na casa do estrupador a Puliça encontrou um verdadeiro arsenal de revista pornográfica e um revólvi calibrio 38...
Não agüentei e desliguei o rádio, sob o protesto de minhas filhas que, àquela altura, estavam adorando o palavreado do repórter.
- Ah, pai... Tava tão divertido... Melhor que o Axé...

sábado, 26 de junho de 2010

Profecias e bobagens

Lembro como se fosse hoje. O rádio tocava Feelings, do Morris Albert. Eu e o Nando (Fernando Antonio Silva Folha), meu amigo de todas as horas na adolescência, estávamos no corcel 73 do pai dele quando as profecias do Nostradamus viraram o assunto principal. E caiu a nossa ficha. Se o mundo acabasse mesmo no ano 2000, a gente iria morrer aos 40 anos! Passamos a madrugada toda discutindo o que praticamente seriamos obrigados a fazer para compensar nossa morte prematura...
Num papel de pão fizemos uma relação de todas as mulheres que teríamos que pegar e dos lugares que de um jeito ou outro visitaríamos antes de morrer. Queimamos a cabeça também tentando encontrar um jeito de inventar algo inédito, que nos transformasse em milionários. Sabíamos que sem grana tudo que planejássemos ficaria apenas na vontade. Não vinha nada e a nossa situação se agravava. O tempo estava passando e a gente não achava a saída. Quase choramos com nosso triste futuro...
Combinamos não desistir (principalmente das mulheres da lista) e dar tempo ao tempo. Fundamental seria não falar mais sobre essas bobagens do Nostradamus e viver intensamente nossa juventude. Claro que não conseguimos comer toda a lista, mas o consolo foi que muita gente boa entrou nela sem que conseguíssemos prever... Com o passar dos anos, eu e meu inseparável amigo tomamos rumos distintos. Raramente nos falamos pelo msn. Assim como eu, o Nando viu o ano 2000 passar e que o mundo (ainda) não acabou.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Profissão Perigo

Corria o ano de 1988. Era o último comício da coligação da qual eu participava como um dos responsáveis pelo marketing do então candidato a prefeito de Sant'Ana do Livramento, Glenio Lemos (PDT). O local escolhido foi a praça Artigas, num dos bairros mais populosos da cidade. Não dava nem pra se mexer de tanta gente que foi para conferir os shows que antecediam o comício. Na época era permitido trazer grandes nomes da música para atrair as pessoas. Meu amigo e compadre, Edis Elgarte - jornalista das antigas - chegou esbaforido carregando uma grande caixa. Eram os foguetes pra soltar quando os candidatos a vice e a prefeito subissem ao palco. Confesso que nunca fui bom com essa história de soltar foguetes, mas decidi improvisar. Tudo pelo candidato...
Lembrei do MacGyver (protagonista de um famoso seriado de tv dos anos 80 e 90 que empresta o nome ao post), juntei dois cabos de vassoura e coloquei os foguetes um ao lado do outro para poupar tempo e ter um retorno melhor. Afinal, vários foguetes estourando ao mesmo tempo fazem muito mais sucesso que um a um. Na primeira tentativa deu tudo certo. Passamos o isqueiro em todos os foguetes e eles dispararam quase na mesma hora. Decidimos repetir a dose, mas um deles deitou e caiu no meio de representantes de um partido que não estava nada satisfeito com o tratamento que o candidato a prefeito estava dando a seus correligionários. Pronto. Era o que faltava, e na véspera da eleição... Deu o maior bafafá. Chegaram a dizer que "era coisa orquestrada", que foi por gosto e a mando do Glenio - um homem temido por andar sempre com uma pistola 7.65 na cintura. Eu, como MacGyver fui um fiasco, mas vencemos - e soltamos muitos foguetes...

terça-feira, 22 de junho de 2010

O dono da voz

A voz ao telefone despertou minha curiosidade. Queria informações sobre uma entrevista que eu fizera no Rede Notícias, programa jornalístico que apresentei por quatro anos na FM Ilha do Mel. Tirei suas dúvidas, sempre atento àquela voz. Ao final, não me contive e perguntei se ele, com aquele timbre maravilhoso, não pensara em trabalhar em rádio. Modestamente, respondeu-me que já havia se aposentado no rádio e que, por muito tempo, fora conhecido como “A Voz”. Desliguei o telefone e fiquei pensando nas centenas de moçoilas que deviam suspirar cada vez que ouviam aquela voz na Difusora. Afinal, Airton Poli trabalhou na época áurea do rádio, quando radialista era que nem artista de cinema ou cantor de pagode hoje em dia.
Chegado há pouco na cidade eu não reconhecera A Voz. Com o passar do tempo, fortalecemos uma amizade que conservei com orgulho. Costumava brincar com ele.
- Com meu peito e com sua voz, o Cid Moreira estaria desempregado há muito tempo...
- Bondade sua – respondia modestamente. – A sua voz também é bonita...
- Mas nem chega perto da sua...
- Não fale assim. Você me deixa encabulado...
- É verdade, Airton. Você nunca pensou em ir para um grande centro?
- Olha, pra falar a verdade, acho que me apaixonei por Paranaguá desde que aqui cheguei.
E era verdade. Natural de Guarapuava fincou raízes na cidade bem novinho e não mais quis sair.
- Rádio já foi minha diversão. Agora são elas – afirmava, entre um cafezinho (com leite) e outro, com os olhos voltados às mulheres que passavam na Faria Sobrinho.
Infelizmente, esse ano, o Dono da Voz nos deixou, aos 75 anos. A foto é de minha coleção particular e foi tirada no Café do Português.

domingo, 20 de junho de 2010

Dez anos de um sonho

Em 1998 fiz uma parceria com o Joel Bonzato, na época ainda atuando na área da zootecnia (jogo do bicho). A ideia: montar um jornal diário. Ele acreditava que Paranaguá merecia um investimento desse porte, mas até nos conhecermos não tivera certeza de que seria possível materializar seu sonho. Levei dois anos para comprar material, treinar equipes e colocar o jornal nas ruas. Foi uma batalha, mas em pouco tempo dominamos o estresse inicial - o próprio Bonzato muito ajudou a encartar jornais nas primeiras semanas. Alta madrugada e estava ele, conferindo a quantas andava a impressão, a cargo do Wilson Magrão e do Pedrinho.
Emagreci vários quilos antes de por a Folha nas bancas. Em 2000 ainda produzia e apresentava o Rede Notícias na Fm Ilha do Mel. Saí e voltei pro jornal umas três vezes. Culpa da minha rebeldia como alegava o Bonzato toda vez que algo me incomodava e eu arrumava minhas trouxas. Sei... Mas a satisfação de conseguir elaborar um jornal diário com uma equipe que nunca havia passado na frente de um jornal valeu todo o esforço. E o nosso jornal como dizia o Bonzato faz hoje parte do cotidiano da cidade. E, aos poucos, vai marcando espaço nos demais municípios litorâneos. Parabéns ao Joel Bonzato e à equipe da Folha do Litoral. O nosso sonho virou realidade.

sábado, 19 de junho de 2010

O ex-futuro homem gol

Quando criança tive a chance de jogar futebol profissionalmente. Verdade. Participei da peneira no Internacional de Porto Alegre, levado pelo Marcos - um ex-namorado de minha tia Gilca. Fiquei escondido no meio de centenas de guris, a maioria bem mais alta e corpulenta que eu. E volta e meia um desses grandalhões era convidado a jogar um pouquinho, pra mostrar se sabia alguma coisa. Isso me irritava e praticamente tirava minha esperança de ser chamado e, quem sabe, me exibir um pouco pra chamar a atenção. Desde aquela época eu já acreditava em propaganda...
Pra piorar, no meio daquela gurizada toda a fim de se tornar craque, não encontrei uma chuteira do tamanho do meu pezinho de anjo. Fui de Kichute – um tênis metido a chuteira, que dava um chulé daqueles... Quanto mais o tempo passava mais eu ficava impaciente. Os caras olhavam pro banco mas só enxergavam os outros! Na arquibancada, o Marcos da Gilca fazia sinais com as mãos para que eu mantivesse a calma. Nessa altura eu já estava com um baita chulé e a fim de ir embora...
pelas tantas, quando havia levantado a fim de catar o meu rumo, alguém deu um chutão pra cima e a bola da peneira veio pro meu lado. Pra me exibir já comecei a fazer embaixadinhas e outras frescuras com a bola e não obedeci ao comando de devolvê-la ao treino. Era tudo ou nada. Afinal, quando eu era criança o Chacrinha vivia dizendo na televisão que quem não se comunicava se trumbicava, então eu tentei fazer o meu comercial. Deu certo e alguém gritou: - deixa esse exibido mostrar se sabe jogar mesmo... Era eu! Entrei. E chamei a atenção no meio daqueles brutamontes – todos com a minha idade, mas criados a Toddy como se dizia naquela época.
A proposta era para morar em Porto Alegre (na real, nos alojamentos do Inter), estudar e receber um salário mínimo por mês. Voltei pra casa - na década de 70 morava em Pelotas -, e comecei a gostar de radio. Até tinha vontade de jogar futebol profissionalmente, mas se fosse pra jogar teria que ser no Grémio, meu time do coração... Naquela época a rivalidade era ainda maior que a hoje no Rio Grande entre gremistas e colorados. Nem camisa vermelha um gremista usava. Imagina jogar no time deles!!!


sexta-feira, 18 de junho de 2010

As aparências enganam mesmo


Na década de 70, o jeans mais usado era o US Top – uma maneira que os brasileiros encontraram de combater as famosas marcas Lee e Lewis. E o slogan da US Top era: “o mundo trata melhor quem se veste bem”. Perfeito. Sintetizava tudo. Afinal, na prática, as pessoas dão mais bola à aparência que à essência.
Há anos, quando conheci o radialista Carlito Rodrigues, soube de uma história interessante. Contou-me o polêmico homem de rádio que, certa feita, quando estava desempregado em Curitiba e procurando trabalho, esbarrou num amigo de infância que não via há muito tempo. O tal amigo estava numa muito boa, tinha se dado bem na vida e se dispôs a ajudá-lo.
De posse de um cartão de visitas dado pelo hoje empresário, o Carlito deixou passar um tempinho e se deslocou até o escritório do tal amigo. Nem deu importância ao fato de estar de jeans e de camiseta. Chegou, apresentou-se à secretária e ela, mal erguendo os olhos, disse-lhe que o “doutor” não poderia receber-lhe naquele dia.
Não satisfeito, o Carlito foi em casa, trocou de roupa, colocou camisa, gravata e retornou. Entre sorrisos, bebeu cafezinho, suco e foi atendido rapidamente pelo amigo de infância. Prova que, definitivamente, quem se veste bem é tratado melhor pela sociedade mesmo. Contudo, além da vestimenta, a primeira impressão é a que fica mesmo.
Outro dia, em Matinhos, peguei uma Pop (pequena moto que comprei pra minha filha Natiele e que não deixei com ela quando decidiu ficar morando no Rio de Janeiro) e me desloquei até um famoso supermercado. Chuviscava e decidi colocar a motinho embaixo da marquise do mercado, lugar que abrigava vários automóveis.
Foi só estacionar que já veio o segurança do mercado, dedo em riste, gritando que não poderia colocar a moto naquele local, que tinha lugar próprio pra motos (longe da entrada do mercado), etc e tal. Retruquei que não via o porquê de não usufruir de um lugar coberto já que era cliente como os outros que chegaram de carro. Quase brigamos.
Achei um desaforo e, após chegar em casa com as compras, peguei minha moto (uma Mirage), voltei ao mercado e estacionei no mesmo lugar aonde havia colocado a motinho de minha filha. Você reclamou? Nem o segurança do mercado...







quinta-feira, 17 de junho de 2010

Os jovens e a política


A pergunta, feita à queima-roupa, tirou-me da leitura e provocou uma reunião, aos moldes da Grande Família.
- Em quem você votou, pai? – interrogou-me a filha de 17 anos.
- Eu? No Lula, é claro.
- Você votou no Lula mesmo?
- Eu sempre votei no Lula...
- Mas você... Não entendo... Deixa pra lá...
- Não, pára aí. Termina o que você começou...
- É que você tava reclamando, parecia que você não gostava dele...
- Eu não gostar do Lula? Olha, minha filha, até emprego eu já perdi por causa do Lula...
- Conta, pai...
- Foi há muito tempo, depois que eu liderei uma passeata de ‘caras pintadas’...
- Que quié isso? – perguntou, num acesso de riso.
Não agüentei e também ri como louco.
- Agora chega – recomecei a conversa. - Por que você acha que eu não gosto do Lula?
- Não senhor! Primeiro você vai me contar essa história de cara pálida...
- Não é pálida. É pintada...
- Então conta, vai...
- ‘Caras pintadas’ eram os jovens que defendiam mais ética na política, queriam mudar as coisas...
- E você andava na rua com a cara pintada? De quê?
Minha mulher, que acompanhava a conversa de longe, gritou:
- De palhaço!
- Que nem você... – retruquei.
- Mãe! Você também?!
- Claro, né? – respondeu ela, juntando-se a nós. – Eu também participei...
Nessa altura, nosso diálogo já se transformara numa reunião familiar. Até a filha menor havia parado de dançar e se interessado.
- O que vocês tão falando? – quis saber, risonha. - O pai trabalhou de palhaço?
- Que palhaço, menina! Onde já se viu? Pega o ônibus andando e ainda quer janela?
- Que ônibus? Nós vamos viajar?

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Quem fala a verdade não merece castigo?


Desde que me conheço por gente escuto as pessoas falarem que a verdade deve prevalecer. E, vida afora, venho tentando seguir os conselhos de minha saudosa mãe, mas assim como outros ditos populares, na prática a coisa é bem diferente. Basta olhar pros lados e perceber que a verdade não é assim tão bem vinda em todos os setores.

As pessoas gostam de ser elogiadas - no meio político então chega a dar nojo. A opinião verdadeira é vista como um desaforo, uma afronta ao detentor do poder. O pior é que passei esses ensinamentos a meus filhos e estes, infelizmente, também têm se dado mal por não usarem a tal inteligência emocional e falarem só a verdade...

Quem já não se estrepou por falar o que sentia realmente? O mundo, apesar dos provérbios e ditados, não está preparado para quem só fala o que sente. As pessoas, como já publiquei outro dia, preferem a mentira. Portanto, para a felicidade geral do povo e da nação, viva a hipocrisia!